11.3.09

Cuidado com o azul

Portugal tem 800 km de areias douradas, quase 11 milhões de almas fadistas que choram por tudo e riem por nada. Nesta costa oeste da Europa há dezenas de lotas que asseguram peixe do dia todos os dias excepto à segunda porque o domingo é do Senhor e assim não há pescado para não haver pecado. E depois há a gastronomia, as gentes simpáticas, as raparigas sorridentes e os rapazes piropeiros. E as esplanadas e o vinho e a noite que acaba de dia e tudo o resto que vem nas brochuras, sites e guias que o viajante avisadamente já consultou pois neste Tempo 2.0 a aventura não é inesperada é antes avisada.
Nos dias que correm, hoje tão reais como virtuais, não há quem não vá sem saber ao que vai e a aventura, que sempre foi inesperada, vem hoje descrita em blogs e roteiros. A surpresa é banida do périplo e qualquer viagem não é mais que uma auditoria onde o turista, vem checkar a realidade contra o roteiro de que previamente se muniu. É enfim o mundo e nem vale a pena continuar neste tom pois a encomenda foi para dizer bem do sítio e não entrar em desabafos fadistas.
Não desespere no entanto o viajante pois aqui há mais do que o que vem nos roteiros. Aqui ainda é possível a aventura genuína, a aventura desmapada e desroteirada que é obrigatoriamente a aventura interior e, embora haja partes do mundo onde há condições para que isso aconteça, Portugal tem condições únicas para que essa viagem se faça às vezes sem retorno.
É que este paraíso esconde um perigo de que vos aviso até porque, estando com toda a certeza prestes a aterrar nesta ocidental praia como lhe chamou o nosso bardo maior, pode dar-se o caso de de cá não poderem mais sair. Não se assustem os que já imaginam assaltos, raptos ou maléficas estirpes virais, nada disso. O perigo é outro. Não se trata de violência, nem um qualquer vírus lusitano. O perigo é o azul.
Expliquemo-nos. Nesta abençoada costa oeste da Europa, o sol brilha, em média 220 dias por ano. Isto significa que vivemos sobre uma magnífica abóbada azul clarinho com o mar como o seu reflexo, obviamente azul. O país é azul.
Ora o azul tem poderes sobre as personalidades, estados de alma, disposições e humores, o azul tem poderes sobre os humanos.
Sabe a ciência de hoje, como o sabe a milenar medicina oriental, que a exposição ao azul leva o corpo a segregar uma grande quantidade de endorfinas. Dizem os cromoterapeutas que por ser um libertador de endorfinas o azul tem efeitos relaxantes e apaziguadores, capazes de eliminar sensações de angústia e perturbações nervosas. Dizem-nos também outros estudiosos que ao efeito sedativo o azul junta ainda um efeito anti-séptico e é usado para aliviar a dor e mal-estar provocado por cortes e queimaduras, podendo ainda ser eficaz no tratamento de doenças da garganta e olhos, hipertensão, insónia, arritmia cardíaca, laringite, amigdalite, papeira, dores de cabeça, situações de choque. É graças as sua propriedades calmantes, dizem-nos ainda, que o azul é a cor mais usada em hospitais.
Pois eu digo-vos por experiência própria que o azul é aditivo, é uma droga que vicia e que é capaz de desregular a vida da mais normal das pessoas. O azul é poderoso, sobretudo o azul da qualidade que temos em Portugal. Um azul suave e apaziguador, clarinho e que dá uma de moca relaxante, um ligeiríssimo estado de felicidade e laise faire que uma vez contemplado nos faz perder toda a noção do tempo, do dever e da responsabilidade. Bastam duas a três semanas para que o sorriso se fixe, a responsabilidade se arrume, o amor se torne fácil e o sonho uma actividade tão diurna que se confunde com o trabalho, mesmo para o mais disciplinado calvinista.
Um beef, do país dos beefs onde o tecto á tão cinzento como o mar, veio para cá viver e assentou arraiais no Estoril. Da casa dele vê-se a baia de Cascais, o Atlântico e o Tejo, uma overdose de azul. Diz ele que este país não funciona, por isto e por aquilo, e sempre que o vejo está atarefado a pensar em negócios que faltam fazer, negócios que está a pensar fazer e que vai fazer porque são imprescindíveis ser feitos. Há um ano que tem planos, há um ano que está agarrado ao azul.
No Feng Shui o azul é a cor do céu e das águas, da verdade, da intuição, do inconsciente, da expansão, da serenidade, da sinceridade, do poder no plano mental e da realização espiritual, simboliza a Primavera e a renovação. Não é por acaso que o nosso povo é simpático, diletante, falador, prazenteiro e recebe de braços abertos. Não é por acaso que a nossa maior arte é a mais imóvel e menos física das artes: a poesia. É por causa do azul, uma droga das mais potentes juro-vos eu que estou agarradinho.
E pronto. Depois não digam que não vos avisei.

Pedro Bidarra

Artigo publicado na UP, revista de bordo da TAP.

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